Incontroverso é o fato de que vivemos em tempos de intolerância; ocasião em que várias demonstrações e manifestações públicas, principalmente por meio das redes sociais, ensejam o questionamento da propagação do discurso de ódio em face daqueles que acreditam estar exercendo a sua liberdade de expressão.
A liberdade de expressão, prevista no inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal, é direito e garantia fundamental que tem por objetivo assegurar a preservação da democracia, mas que, se utilizada de forma inadequada, tem o condão de ferir outros direitos fundamentais que devem ser protegidos, inclusive, a própria democracia. Isso porque muitos entendem ser absoluta a liberdade de expressar as suas opiniões e pensamentos, o que parece não ser verdade, afinal, todo ato e manifestação que possui o viés de ferir o direito de outrem, deixa de ser legítimo e pode ser configurado como crime de calúnia (imputação falsa de um fato criminoso a alguém), injúria (qualquer ofensa à dignidade de alguém) e difamação (imputação de ato ofensivo à reputação de alguém).
Logo, em que pese haja expressa garantia fundamental de que podemos expressar as nossas crenças, opiniões, etc., devemos fazê-las de forma consciente para que essas manifestações não se transformem em discurso de ódio, principalmente nos dias de hoje com o uso da internet; uma ferramenta poderosa que encontra-se facilmente disponível à maior parte da população e possui grande potencial, se usada de forma leviana, de exponenciar manifestações agressivas e ofensivas.
Dito isso, existe uma grande discussão na doutrina e, atualmente, nos próprios canais de comunicação, sobre essa linha tênue entre liberdade de expressão e discurso de ódio. Como podemos os diferenciar? A verdade é que o tema é tão complexo que ainda não existe uma resposta.
Por vivermos em um Estado Democrático de Direito, há uma grande preocupação para que o direito de se posicionar e de se expressar não seja censurado, afinal, passamos há poucos anos por um regime militar que nos permitiu enxergar a importância do direito de dar voz aos nossos pensamentos para que os cidadãos estejam não só num patamar de igualdade com aqueles que estão no poder, mas sim REPRESENTADOS por pessoas que eles mesmos escolheram, sendo, portanto, os únicos detentores do poder.
Nesse sentido, sendo o povo o único detentor do poder, a possibilidade de minimizar o direito de se expressar e se manifestar se torna um assunto bastante delicado, uma vez que a utilização absoluta e irrestrita desse direito pode atingir outros direitos também essenciais para a preservação do Estado Democrático de Direito.
Verificando a dificuldade dessa diferenciação, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) moveu, no dia 17 de junho de 2020, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal, a fim de que a Corte possa estabelecer os parâmetros de diferença entre discurso de ódio e liberdade de expressão com o objetivo de criar uma jurisprudência que esteja de acordo com os pilares do Estado Democrático de Direito e da democracia.
Dessa forma, observado que a ADPF não foi recebida e julgada até a data de fechamento deste presente artigo, o assunto segue em discussão e debate doutrinário, sendo alvo, portanto, de um campo ainda cinzento e indeterminado no Direito e em todo seu ordenamento jurídico, mas que merece atenção e cautela, principalmente devido à realidade que estamos vivendo.
Fonte: conjur.com.br e portal.stf.jus.br