Tanto o direito à vida como o direito à liberdade encontram-se positivados na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º. No entanto, assim como acontece com outros direitos fundamentais, existem momentos em que, na prática, esses direitos se colidem, levando o operador do direito, consequentemente, a uma complexa solução que deve ser analisada em cada caso concreto.
No que diz respeito à recusa ou não aos tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas, há ampla discussão tanto na doutrina médica como na doutrina jurídica, afinal, entende-se que o direito de recusa ao tratamento vital tem o seu fundamento legal não só na liberdade religiosa, mas como também na autonomia da vontade e na dignidade humana.
Inicialmente, o paciente que não aceita o tratamento médico proposto tende a utilizar como fundamento jurídico o direito de livre-arbítrio e os princípios da dignidade e liberdade, pois de acordo com o artigo 5°, inciso II da CF (“ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei”), ele tem direito de recusar determinado tratamento que lhe cure de alguma enfermidade ou até mesmo lhe salve a vida.
Todavia, há de se dizer que a análise dos textos legais deve ser feita de forma sistêmica e não isolada, pois o direito de recusa do paciente não é entendido como absoluto, uma vez que este poderá usufruir desse direito apenas em situações que estiver no pleno gozo de suas faculdades mentais e também sem a existência de iminente perigo de vida. Dito em outras palavras, mesmo nos casos em que o indivíduo tenha plena ciência dos seus atos, essa recusa deve ser respeitada se ausente a iminência de perigo de morte. Do contrário, o médico tem a obrigação de realizar o procedimento, agindo em exercício regular de direito, sob pena de incorrer em responsabilidade civil (artigos 186 e 951, CC e 5°, X, CF) e penal (artigos 121, 129, 132 e 135, CP), não caracterizando, portanto, crime de constrangimento ilegal (artigo 146, § 3°, I, CP).
Dessa forma, sobre os direitos fundamentais em colisão quando se trata de recusa ao tratamento vital, sejam eles o direito à vida e o direito à liberdade, ponderando-se seus valores, considera-se que a vida deve ser prevalecente em casos que a coloquem em situação de risco iminente, independentemente de convicções religiosas, da vontade do paciente ou da impossibilidade de cura. E isso se deve ao princípio da proporcionalidade, critério apresentado pela doutrina para a resolução desses conflitos, que resumidamente significa uma ponderação razoável dos direitos fundamentais colidentes no caso concreto.